Este assunto é constantemente abordado e não há, ainda, um entendimento definido e pacífico a respeito, haja vista que nessa situação se confrontam direitos de ambos os lados: o do condômino que tem direito ao sossego e o do outro condômino que tem direito a ter animal de estimação. O ideal é que ambos tenham consciência não só de seus direitos mas também de seus deveres.
O ponto pacífico em que tanto a doutrina quanto a jurisprudência chegaram é que nenhum condomínio pode proibir condôminos de manterem animais nos apartamentos ou casas, vez que este subdireito é parte do seu direito de propriedade. Mesmo em hipóteses em que há Convenções ou Regulamentos Internos dispondo nesse sentido a regra perde a eficácia, pois nenhuma lei infraconstitucional pode ir contra suas leis maiores, que são a Constituição Federal e o Código Civil.
O cerne da questão reside no fato de que o ruído produzido, desde que dentro da normalidade e do aceitável – que são 55 decibéis para o período diurno e 50 para o noturno, conforme previsto na Norma Brasileira 10.151/2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas –, se enquadra no direito do morador de livre disposição e uso cotidiano de sua unidade, afinal, se há vida dentro do imóvel barulhos são efetiva e normalmente produzidos, e pressupõe-se que quem se dispõe a morar em condomínio edilício o faz sabendo que terá de tolerar os importunos dos vizinhos porque, em contrapartida, os demais também estão tolerando os seus. Viver em condomínio significa concessões e limitações recíprocas.
Se, entretanto, o barulho proveniente de latidos ou de qualquer outra origem excede o nível permitido, violando o direito do vizinho ao uso tranquilo e sossegado de sua propriedade residencial, nasce para este o direito de ter cessado o incômodo e para aquele a obrigação de encontrar meios de fazê-lo cessar, tais como, no caso dos latidos, o treinamento e o adestramento do seu cão com profissional especializado e a realização de mais passeios diários com o animal na tentativa de se reduzir os níveis de possíveis síndromes de estresse provocadas por solidão ou pela separação temporária de seu dono.
Outro ponto a ser definido é se o barulho incomoda a um ou a mais de um morador, pois apenas neste segundo caso (quando atingir a coletividade) é que o condomínio poderá intervir – em ambos os casos intermediando uma reunião conciliatória com as partes envolvidas, no intuito de tentar manter pacífico e harmônico o convívio social entre vizinhos e entre moradores e a Administração. No segundo caso, restando infrutífera a reunião, advertindo o dono do animal caso a conduta persista e posteriormente multando-o em caso de reincidência.
No entanto, se o barulho incomoda apenas uma unidade, o problema foge da alçada da Administração e, em sendo particular, estritamente entre os envolvidos deve ser resolvido, com base no direito de vizinhança disciplinado pelo Código Civil, junto ao Poder Judiciário. Repise-se, o Condomínio não pode intervir nesse caso, haja vista não se tratar de problema comum que afete toda a coletividade.
Vale lembrar que se estiver havendo abuso de direito por parte de vizinho que tem o animal, a ponto de perturbar o sossego de outro, há evidente uso nocivo da propriedade e, neste caso, cabe a busca judicial deste por seus direitos, mas, para isso, é indispensável fazer prova de suas alegações.
Já houve caso na prática julgado procedente em que uma Juíza condenou o dono de cães a mantê-los no quintal durante sua ausência, sob pena de multa, uma vez que, durante o dia, os cachorros ficavam em casa sozinhos e, como os lotes vizinhos eram separados apenas por um muro, qualquer movimentação de pessoas ou de carros no portão frontal fazia com que se locomovessem rapidamente e emitissem latidos altos e constantes. Foi provado nos Autos que o barulho excessivo produzido pelos latidos alcançou nível de ruído de 99 decibéis, acarretando grave perturbação ao sossego e à tranquilidade da Autora, violando o direito de sua propriedade residencial. Por se tratar de pessoa idosa com desequilíbrio emocional e crises de insônia, o dono dos animais ainda foi condenado a pagar à senhora indenização por danos morais. (Processo 0702419-61.2020.8.07.0007 - Órgão Julgador: Segunda Turma Recursal - Publicado no DJE: 21/01/2021 - Julgamento: 9.12.2020 – Relator: João Luís Fischer Dias).
Para sintetizar o tema deste artigo, nada mais adequado que esta frase:
“Acredito que todo direito implica uma responsabilidade; cada oportunidade, uma obrigação; cada posse um dever.” (John Davison Rockefeller Jr.)
Dra. Luciana Zumpano Departamento Jurídico
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