Nossa Constituição Federal, por meio do artigo 5º, inciso VI, garante a todo indivíduo liberdade de crença e livre exercício de culto, mas parece óbvio que tal exercício deverá ser racional, não podendo extrapolar as esferas do exercício regular do direito de propriedade que, por sua vez, encontra limitações nas normas concernentes ao direito de vizinhança, insertas no Código Civil atual.
Desta feita, tal direito constitucional não revogara a norma contida no artigo 554 do revogado Código Civil de 1916 (vigente quando do advento da atual Carta Constitucional), que disciplina as relações de vizinhança, orientando que não se pode exercer o direito de propriedade de forma a por em risco a tranqüilidade, a segurança e as condições de saúde do imóvel vizinho. Ambas as normas, portanto, coexistem, e um direito pode ser exercido desde que não fira o outro.
Num segundo passo, inserindo a questão no campo dos condomínios residenciais, devemos ter em conta que o Brasil é um Estado Laico, assim considerado aquele que tem como princípio a imparcialidade em assuntos religiosos, não apoiando ou discriminando nenhuma religião nem impondo a seus cidadãos qualquer delas como sendo a “oficial” ou privando-os de praticá-las.
Desse modo, se há regramento interno proibindo cultos religiosos nos espaços destinados a uso coletivo, tal restrição deve se dar indiscriminadamente em relação a qualquer religião, sejam as de cultos silenciosos ou que produzam barulhos, não podendo servir de justificativa o argumento de que uma feriria o direito dos vizinhos ao sossego e a outra não. A igualdade deve prevalecer.
E aqui reside o cerne da questão: – para que o condomínio possa negar a utilização dos seus espaços comuns pelos moradores para fins religiosos, assim como também para fins políticos ou lucrativos (comercias) deve haver expressa proibição na Convenção ou no Regimento Interno, pois caso não haja poderá o morador fazer uso do espaço para quaisquer destes fins, desde que, obviamente, observe as limitações de ruído, comodidade e segurança afetas à coletividade.
Vale lembrar, por fim, especificamente em relação a condomínios, que a lei superior (Constituição Federal ou Código Civil) somente se aplica ao caso concreto diante da inexistência de norma condominial no mesmo sentido, pois se houver disposição a respeito a lei condominial prevalece, desde que, por óbvio, não contrarie a ordem, a boa fé, a moral e os bons costumes.
Destarte, não se pretende coibir o livre exercício da fé de qualquer cidadão (e a decisão da polêmica não é ideológica, não passando por qualquer preconceito em relação a qualquer religião), direito este constitucionalmente assegurado, contudo, de se salientar que o exercício deste direito não pode ferir o direito também constitucionalmente garantido ao pleno exercício da propriedade, pois, como todo direito, o livre exercício do culto religioso não é absoluto. O Professor Alexandre de Moraes (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Editora Atlas, 19. ed., São Paulo: 2006, p. 42) ensina que "a Constituição Federal assegura o livre exercício do culto religioso, enquanto não for contrário à ordem, tranquilidade e sossego públicos, bem como compatível com os bons costumes. (...), obviamente, assim como as demais liberdades públicas, também a liberdade religiosa não atinge grau absoluto".
Assim, para que o condomínio possa proibir cultos religiosos em seus espaços de uso comum, deve existir entre suas normas a respectiva proibição. Se não há e sua intenção é proibir, deve fazer a alteração de sua convenção ou regimento interno mediante quórum qualificado, ou seja, 2/3 dos proprietários identificados para aprovação.
Dra. Luciana Zumpano
Departamento Jurídico
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